quarta-feira, 27 de março de 2013

joão (ou conto trágico)

ou de tudo ou de nada,
lembra-se joão da sua infância,
tempos de brincadeiras na esplanada
ou de ter medo de ser criança.

ora via o pai ser pai
ora o via chegar a casa deambulante,
garrafa em punho e algo mais:
gin e vómito, um cheiro excruciante.

assim vivia o joão, maltrapilho
mal ele sabia que o pai não mudava.
quer fosse dono ou desconhecido do sarilho
já ele bem sabia que apanhava.

escondia-se no quarto e chorava,
bem escondia nódoas negras e feridas,
lançava preces enlaçadas à lua, em novelos de nada
mas tudo se via na cara de uma triste vida.

o astro era redondo ou beleza
e o joão bem sabia que não teria nada belo assim.
bem sabia que os trastes nunca eram realeza
mas sempre escumalha e afins.

agora o joão cresceu, pede na rua
um sorriso ou uns trocos.
desde que viva para ver a lua,
sabe bem viver sonhos de outros.

ouvia na rua ouvir falar do novo carro,
da nova casa, da namorada, da viagem, et cetera.
pouco ele sabia dessas vidas, era escarro,
o que ele sabia de casa era construção efémera,
com paredes derrubadas e o pouco que sabia de carros
era o vrrrum que ouvia. namorada só a mão e as feras
da playboy, era assim o joão, e de viagens era as que iam na ponta do cigarro
 do pai que lhe beijava a pele, o único carinho era fel e o resto quimeras.

contam histórias que um dia o joão
deu carinho a um homem por um pedaço de pão.

não do carinho que lhe davam nem do que ele precisava,
daquele carinho especial pelo qual se paga.

era um rapaz já pouco inocente, o joão,
mas não tinha culpa, não, nada disso.
fazia vida de nódoa à espera do sabão,
olhava o céu com seu olhar de abisso.

por vezes acende um fósforo e recorda
histórias que leu uma vez na escola.
vê a mãe mas ela já está morta,
leva consigo o último sorriso dela na sacola.

lá vai o joão face ao destino, pode ser que encontre alguém ou algum lugar.
ele nunca teve ninguém nem onde ficar,
há-de um dia chegar, descansem.
deixem para os outros os das ruas,
não é problema da plebe, com tantas luas
no universo, hão-de haver preces atendidas,
outras pouco ou mal entendidas e outras desistidas.

"é a vida"

como dizia o joão


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

há-de chegar

há-de chegar o dia, em que de uma só fatia 
comemos a fome por não termos que comer
e rasgamos os joelhos de tanto rezar só por não queremos fazer,
já foram tempos de navegar agora o que interessa é jazer para longe,
morrer fora de casa e voltar para ser enterrado na asa do país que nos pariu...
resta-nos sonhar como nunca se viu.

há-de chegar o mês, em que de uma só vez
matamos a fome para lhe roubar a cama.
só para não ter na roupa lama e ver se o orgulho sempre inflama,
nem que seja uma cama de pedra, com respeito ao resto da herda
mas em descontentamento e até ao pescoço em merda...
foi o amor próprio a nossa maior perda.

há-de chegar a hora, em que sem qualquer demora
de barriga cheia nos erguemos da cama e matamos a união,
que já está de pé para o caixão e dança ao som desta canção,
de cabeça no ar, como todos nós, à nossa voz.
em uníssono marchamos, na ponta das armas cravos levamos.
mas nos âmagos levamos balas cravadas no coração.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

¡la revolución!

d'onde vinham todos mortos p'lo regimento
alguém ousou sonhar.
em penumbra elevou o pensamento
e sem ser ave aspirou a voar.

ergueu a cabeça.
pescoço dorido de especar sempre o chão.
olhou os astros: "que eles nos fortaleçam",
pensou "pois restam-nos a fome e a união".

pegou na trouxa e fez-se à estrada.
a demanda não era comandada,
mas bem sabia que ou arriscava ou não teria nada;
eram altos os riscos mas mais altos os sonhos e pouco mais interessava.

talhava pegadas no solo agreste,
já tinha esta terra visto escorbuto, febre amarela e peste
e já pouco restava da gente que afagava as culturas,
sobravam os que importavam esculturas e pinturas,
os que rezavam por mais fartura
e os que fizeram a própria fortuna,
porque os que tinham a lida dura, apodreciam a um cantoo
e deles nem se ouvia um pranto,
com medo de mais miséria,
que quem a pagava eram eles por baixo de 7 palmos de terra.

o sonhador rápido se fez ouvir
e que nem relâmpagos vieram os cangalheiros,
p'ra enterrar o que se atreveu a sorrir,
para o matar até, se houver envolvido dinheiro.

"és tu quem sonha em vão?"
"sou sócrates, galileu galilei e d. sebastião.
sou che guevara, zeca e marx.
sou revolução poesia e o ar que se respira,
pois não há nada mais livre que o oxigénio de que se vive.
e digam, homens com costas arqueadas, unhas mal aparadas e de correntes aos punhos,
vêm vós do submundo ou são só barqueiros do rio estige"
"somos o mal de fundo do mundo"
"mas são demónios reais ou só o fingem?"

"somos já velhos demais para ouvir loucuras de outrem,
escutamos a vontade solene del rei,
do grande ditador ou de quem vier mais ouro,
sejam celtas, iberos ou mouros."

"são bestas ou senhores?"
"nada mais que terrores, caro sonhador,
e que sejam vossas estas dores."
"que sejam então vossos estes gumes e todo o choro,
pela pátria!, pelo povo."

de uma só rajada, que fez dos cangalheiros meios coveiros,
movida por sonhos e ódio profundo a el rei,
proclamou liberdade a quem a lei não favorecia,
o que desde sempre se pretendia.

resta o senhor no seu trono,
que rápido ouviu do seu insubordinado.
levantou-se logo e clamou:
"há que ser massacrado!"

convocou legiões de soldados,
todos eles cegos de justiça,
com lealdade postiça e em fraca moral apoiados,
de mau credo e raça mestiça.

armados até aos dentes,
com espadas, escudos e mocas na mão,
não esquecendo redes e tridentes e armaduras reluzentes,
arcos, flechas, bestas e morte como profissão.

ao longe viu-se o sonhador,
comandado pelos próprios astros,
com o povo cantando o seu louvor
em ser capitão contra os ricos e fartos.

todos eles empunhavam ceifas ou forquilhas,
pedras, enchadas, machados ou machadas,
instrumentos que não viram sangue mas de terra viram milhas,
para que estas não sejam mais pobres nem choradas.

"povo meu" gritou o sonhador
"o treino militar de nada serve se for fraca a razão para lutar.
se na frente do líder está a cortina do ditador
não é amigo o que está no trono a descansar.
eles empunham espadas e trajam peças que brilham,
pois nunca viram sangue que as manchasse.
vocês já viram o que fizeram aos vossos e digam-me,
se merecem eles ser de nobre raça."

todos correram em carga,
com pão e água no estômago apenas.
mas era tanta a moral que os guiava
que desfalcaram a nobreza de suas plumas e penas

verdade seja dita,
a morte assolou os campos como nunca se viu.
no entanto, a voz que grita
deparou-se com o rei que piedade pediu.

"não tens honra, ditador."
e de um só golpe a cabeça del rei rolou.
hostes celestiais contarão como tudo foi.
o herói e seu exército, o capitão e sua tripulação.
o sonho e os sonhadores!


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

confessionário

mais um dia, mais um tormento...
entrava outro rapaz, era jovem por enquanto
mas era homem no entanto...
sem paz nem alento.
chorava por todos os cantos,
corre para mim e só lhe exclamo:

"tivera eu 6 euros por cada um que vejo chorar estaria eu rico.
mas vivo como ermita por isso ou não vejo dinheiro ou não mo dão..."

ele olha para mim, de faca na mão
"que foi que fizeste meu filho?!"
"matei padre, que quer que lhe diga?"
"pousa isso no chão"
"que não o suje de sangue"
"já está em podridão"
"não é nenhum mangue"
"nem a solo sagrado chega e chamam-lhe igreja...
viu isto mais profanidades às mãos de quem as perdoa
do que os infernos..."

cai a faca no chão, tomba uma vez com o gume e outra com o cabo.
ecoam sons pelo templo.

"quem foi que mataste?"
"quem não mereceu vida"
"ninguém merece e para todos basta"
"mas porque se arrasta a quem não lhe dá devida lida?"
"sabe s. pedro isso e a ele lhe cabem julgamentos"
"e castigos a ninguém cabem, se s. tomé é santo e precisou de ver para acreditar em sacramentos
quem sou eu para acreditar que o paraíso é privado a santos?"
"é a eles que tecemos prantos sem qualquer espanto, portanto se sofreram em vida
para arcarem com tormentos doutros não sei até quanto terá o seu encanto em ser santo;
talvez ser demónio será melhor morte"
"e sem me dizer à mesma quem os condena à sorte"
"eles mesmo, o destino não é de ninguém"
"que faz deus então, se não é a esse ponto forte?"
"deus criou-nos a todos, se quer saber ou não, não sei.
mas a verdade é que nenhum arquitecto governa a obra depois de feita"
"então somos nós quem nos findamos?"
"fomos nós quem redecorou a construção de deus, porque não?
não nos sujeitámos aos sacrifícios dos malefícios da gentileza e pobreza do espírito do homem
para nos descurarmos e deixarmos cada um às mãos de si mesmo"
"então o castigo é nosso de aplicar"
"seria se a morte fosse pena"
"que é então se nem serve para sancionar?"
"só para os niilistas é o fim da sentença;
todos os outros não são egoístas
a cingirem-se a apenas um plano,
todos os deístas ou até mesmo os indecisos
não te podem dizer que a morte é mal algum
quando não deixa de ser algo humano,
perfeitamente bem explicado e conciso,
com princípio, meio e fim sobrepostos num"

"então se morrer agora, deixa tudo às mãos de deus?"
"que ele me ampare se eu por lá cair"
"e sabe que nada acaba por aí?"
"sabe deus e sabem os seus,
mas se algum dia de lá vir,
com a minha trouxa arrumada às costas
e saudades de d'onde vim
é porque era sim castigo e não amor.
e se vivi toda a vida em castidade
para ir lá e sair prejudicado,
antes voltar a mais dias de tormentos,
sabe deus que não é perfeita nenhuma cidade,
mas nem o cúmulo lhe chega aos calcanhares"
"nunca ninguém de lá voltou"

"então ou é benção
ou pena na melhor prisão
que jorrou aos pés do homem:
uma que nem ele controla
e que só a ele assola"




sábado, 15 de dezembro de 2012

física, metafísica e porque não parafísica

ganha raízes, a pequena partícula,
soltando-se cada vez menos,
cada vez mais parte de um corpo rígido,
não é livre como a água mas é gotícula.
é incapaz de experienciar a entropia,
é ser sereno.

cada vez mais se batia e debatia,
sobre a vida viciada que lhe era reservada.
sem virtudes, com uma reação para cada ação,
para cada dádiva uma maldição
e para cada anjo,
nada.

arranha o tecto e tenta rugir,
mas vive no vazio e só a luz viaja,
ainda que não haja quaisquer indícios
dela querer surgir:
sabe deus que p'ró santo ofício o vício é
fugir.

escoa-se em segundos,
materializa-se no instante mais oportuno
e com a aplicação de um só esforço,
não só de sentido oposto
como de maior força,
regredimos.

e puxados para baixo fomos.
a gravidade extrapolou-se
e toda a matéria sucumbiu à sua antítese,
inferno e paraíso como se um só fosse!,
a fera faz o que quer e a vida
sumiu.

sobre o sonho de ser fluído
e sob a condição de ser movimento de todos os outros.
sobre o sonho de ser gás ideal,
de ser desprovido de se juntar a todos
e sob o perpétuo castigo de nunca ser
deformado.

nunca sendo diabo,
sempre imaginando como era ser demónio,
mas não passando de um vulgar lapónio,
passar noites a fim, sem fim e enfim,
por fim
questionar-se:

será que ser senhor de seiscentos e sessenta e seis seres sobrenaturais ou ser esse pandemónio de desassossego sabe tão bem como ser escravo?
ele não saberá, sob o braço austero da cinética.


domingo, 2 de setembro de 2012

trintão solteiro a desesperar às 4 da manhã

olho para o relógio, são 4 da manhã e ainda não preguei olho,
os gatos com o cio miam lá fora e criam uma rotina de gemidos.
foda-se!, ficam com o pito aos saltos e vêm logo aos molhos,
eu que escolho e tento de mulheres estou desprovido.

de 5 em 5 segundos lá está ela. ou de 6 em 6 ou 7 em 7, não sou um relógio atómico,
mas a porra da gata tem mais rotina nuns berros que eu na vida toda.
quase que dá para compassar. miau 2 3 4. miau 2 3 4. a que propósito lógico?
foder-me a cabeça, está meio mundo contra mim e a outra metade que se foda,

também não me quer bem. até os animais se unem contra mim,
assim que se calar a gata os pássaros abrem a grimpa, um pombo caga-me a camisa,
os patos atravessam a estrada quando eu já estiver atrasado para o trabalho, a vida é assim,
2 dias e a fazer direta. o problema é se é uma semana inteira a ficar de remissa.

ir à missa é aborrecido. ir divertir-me é caro. engatar gajas nem se fala,
é como jogar jenga vendado numa montanha russa e já estou destreinado,
da última vez que o fiz o michael jackson era meio branco só, ainda não ando de bengala,
não sou assim tão velho. aliás, ainda mantenho a juvenil semi careca dos amaldiçoados,

a barriga de cerveja que é inexplicavelmente inevitável e um peso nas costas
de olhar o mundo de frente. em vez disso, olho para o chão,
pode ser que encontre um euro ou dois ou um emprego nas docas
com muita maresia, é sempre um sonho, e será sempre uma ainda maior ilusão.

bem, sempre passaram 20 minutos. e surpresa surpresa, não se cala, a porra da gata.
cisma sempre no mesmo, naquela onomatopeia sonante, naquele miau.
sim, "é um belíssimo fenómeno da natureza", mas a verdade é que já farta.
eu até ia lá fora, partia-lhe a boca toda, mas é "crueldade contra o animal".

eu digo-vos o que é crueldade, manter-me acordado até estas santas horas,
em que nem deus quer saber de quem está acordado porque quem está de joelhos não é a rezar.
mas pronto, vão-me dizer que a gaja é uma criatura que deus ama também, e ora,
claro, não tem o bicho a miar-lhe há mais de 30 minutos, quando um gajo só quer descansar.

é que já nem passa muito pela besta, a minha inquietude, agora tenho a cabeça a soar,
é a merda de um jogo, isto! vamos lá pessoal, toca a foder a cabeça às pessoas.
vamos certificar-nos que o gajo que tem de ir trabalhar às 7:30 da manhã não tem hipótese de sonhar.
bem, não é mau de todo, ao menos não me iludo de nada, já que estou nesta habitação toda,

que se resume a uma sala, uma cozinha e uma casa de banho. um t0, para os leigos,
ou para os peritos no assunto, uma casa de quem recebe um salário mínimo.
uma casa de pobre, pronto, digamos assim. se calhar estava melhor em áfrica, lá os felinos não são meigos
mas ao menos estão calados. e a casa não deve diferir muito, isto não abrange conceitos como espaço íntimo,

as paredes parecem papel, a única diferença é que é um cheiro fétido a merda que não se pode.
felizmente, eu, jorge daniel andrade cunha, sou um moço resistente às adversidades que me foram servidas
e aprendi a cooperar com todas as dificuldades da vida que me proporcionei, mais que queixa isto é uma ode
à minha força de vontade em superar o meu hábito estranho de usar vocabulário eloquente e linguagem de má vida.

felizmente, eu sou assim, uso palavras que não sei o que querem dizer na esperança de parecer um emérito,
que acabei de ver no dicionário, uma pessoa que sabe muita merda, pois bem,
melhor descrição não se enquadra, e acho que não é de mais ninguém este tão meu mérito!
só da pena ver que o mundo não sabe este filho que tem.

"cala-te, caralho", berra o vizinho. já te calavas ó porco.
"toc toc toc", ecoa no chão onde vive a teresa rebelo,
uma moça por quem já estou pelos cabelos e não é pouco,
mas pronto, já é demais a queixa pelo meu ruído, nunca fui cidadão modelo.

podiam era mandar calar a porra do gato.
isso é que era.


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

torre de babel, histórias

empilha tijolos de barro, faz uma torre e de lá de cima
vê os outros lutarem como se fossem ratos,
atira mais um pedaço de queijo, atira um para cada um
e a luta assim segue para que um fique com todos.

já chega de diversão.

põe ratoeiras por tudo o que tens.
dispõe de meios para controlar os roedores.
apercebe-te que são inúteis,
ergue-te e despede-te deles para correres atrás deles por serem a única coisa que ainda te restava.

eles não voltam.

abandona tudo, embala criancinhas no teu colo,
sussurra-lhes que tinhas tudo.
apercebe-te que não tens consolo,
só um sonho mudo
que deixou de dar música há séculos.

cai água do tecto.

está tudo em ruínas, tens a torre mais humana de todas:
a desfazer-se, sem pilares nem fundações.
concentra-te mais um bocado no pingar e ouve as
criancinhas que afinal não tens a chorar,
são alucinações que passaram,
histórias de infância que criaste, porque a tua infância não foi traumática,
foi apenas.

já nada resta.

quem tem o que tu tinhas?
quem te tirou o teu confortável nada e te deu uma torre de babel?,
com um quarto no topo e lances de escadas que simbolizam cada um
todos os anos que passaste a ser fel e mais fel
e merda e mais merda.

soa mal dizer asneiras.

soa mal contares histórias de quem eras.
são deprimentes e maçadoras,
é como ouvir falar um gato do seu tempo de fera
e olha só as horas!,
já é tempo de partir,
contas os teus contos noutra altura,
deixei a a cama por fazer e os miúdos estão para vir,
sabes como é ou então não,
o que interessa é que nós nos havemos de ver por aí.

vejo-te de novo e olho para baixo para evitar histórias desinteressantes.

assobio, já que é um clássico cinematográfico de "não, não estou aqui."
e lá vão as notas, embaladas.
passam por ti e queres lá tua saber, tens mais que fazer!,
tens que recordar as histórias inventadas.

uma por uma, elas vêm, tu vê-las e apagam-se como velas.

são coisas.
são histórias.