lembra-se joão da sua infância,
tempos de brincadeiras na esplanada
ou de ter medo de ser criança.
ora via o pai ser pai
ora o via chegar a casa deambulante,
garrafa em punho e algo mais:
gin e vómito, um cheiro excruciante.
assim vivia o joão, maltrapilho
mal ele sabia que o pai não mudava.
quer fosse dono ou desconhecido do sarilho
já ele bem sabia que apanhava.
escondia-se no quarto e chorava,
bem escondia nódoas negras e feridas,
lançava preces enlaçadas à lua, em novelos de nada
mas tudo se via na cara de uma triste vida.
o astro era redondo ou beleza
e o joão bem sabia que não teria nada belo assim.
bem sabia que os trastes nunca eram realeza
mas sempre escumalha e afins.
agora o joão cresceu, pede na rua
um sorriso ou uns trocos.
desde que viva para ver a lua,
sabe bem viver sonhos de outros.
ouvia na rua ouvir falar do novo carro,
da nova casa, da namorada, da viagem, et cetera.
pouco ele sabia dessas vidas, era escarro,
o que ele sabia de casa era construção efémera,
com paredes derrubadas e o pouco que sabia de carros
era o vrrrum que ouvia. namorada só a mão e as feras
da playboy, era assim o joão, e de viagens era as que iam na ponta do cigarro
do pai que lhe beijava a pele, o único carinho era fel e o resto quimeras.
contam histórias que um dia o joão
deu carinho a um homem por um pedaço de pão.
não do carinho que lhe davam nem do que ele precisava,
daquele carinho especial pelo qual se paga.
era um rapaz já pouco inocente, o joão,
mas não tinha culpa, não, nada disso.
fazia vida de nódoa à espera do sabão,
olhava o céu com seu olhar de abisso.
por vezes acende um fósforo e recorda
histórias que leu uma vez na escola.
vê a mãe mas ela já está morta,
leva consigo o último sorriso dela na sacola.
lá vai o joão face ao destino, pode ser que encontre alguém ou algum lugar.
ele nunca teve ninguém nem onde ficar,
há-de um dia chegar, descansem.
deixem para os outros os das ruas,
não é problema da plebe, com tantas luas
no universo, hão-de haver preces atendidas,
outras pouco ou mal entendidas e outras desistidas.
"é a vida"
como dizia o joão